Analisando estas duas
civilizações podemos marcar logo as diferenças através da geografia cada uma das regiões. A Mesopotâmia estava situada entre os rios Tigre e Eufrates,
o Antigo Egito, por sua vez, baseou-se exclusivamente no rio Nilo, que flui do
sul para o norte, e é maior do que qualquer um dos dois rios mesopotâmicos.
Mapa Atual do Egito |
Mapa Atual do Iraque onde podemos ver a área correspondente à antiga Mesopotâmia |
O rio Nilo tem inundações regulares e, graduais, o período de enchente dura mais de
cem dias durante o verão e outono.[1]
Nas terras altas de África, as águas do Nilo unem-se à neve derretida e à água da chuva de verão, gerando autênticas enxurradas. No início de Julho de cada ano, a parcela do rio
localizada no sul do Egito começa a subir. Continua para norte, chegando à fase
de inundação no Assuão, em meados de agosto, e inundando o extremo norte do
rio, cerca de seis semanas mais tarde. No final de Novembro, maior parte das
planícies férteis do Nilo, estão, novamente secas. Os mesopotâmicos, no
entanto, tinham de se proteger de inundações mais imprevisíveis e violentas,
dadas as características climáticas e dos solos, especialmente a morfologia dos
leitos de cheia. Geralmente ocorrem na primavera, devido ao escoamento da neve
derretida das terras altas da Anatólia. O Tigre e o Eufrates têm menos
inundações, no entanto estas têm um carácter muito mais violento e por serem
menos controláveis que as do Nilo, tornam os seus habitantes ribeirinhos,
extremamente vulneráveis. Daqui se entrevê que, embora a questão das águas
fluviais seja importante para ambas as civilizações em estudo, cada uma tem os seus problemas, aos quais vai procurar dar resposta.
Os Trabalhos de Irrigação
Os sistemas de irrigação egípcios
dependiam muito, da previsibilidade das inundações do rio Nilo. Embora o rio fosse
uma presença imponente, os egípcios conseguiram “controlá-lo”, através da sua
observação e estudo. A extensão da inundação poderia ser medida e, assim,
antecipadas as medidas de protecção e controlo. Usando um sistema de irrigação,
os agricultores plantaram culturas, usando comportas simples para auxiliar o fluxo das águas. Mais tarde, os egípcios construíram canais para orientar algumas das
águas da inundação mais para o interior. Nos campos demasiado elevados, para
beneficiar diretamente destes canais, a água pode ser retirada com o auxílio de
um shaduf, um mecanismo composto por
madeira com um recipiente numa extremidade, e um contrapeso na outra, para
fazer elevar a água.[2]
Shaduf |
Como no Egito, na Mesopotâmia, a agricultura de irrigação é a base da economia, por isso empregou um vasto sistema de canais, de barragens que permitem regar os campos interiores. No entanto, os mesopotâmicos tiveram acesso a dois rios, não apenas um. Como a tecnologia hidráulica se foi desenvolvendo, as suas gentes, começaram a explorar as diferenças entre os dois rios. O leito do rio Eufrates era maior do que o do Tigre, de tal modo que o Eufrates fornecia a água enquanto o Tigre drenava o excesso. Ainda assim, a imprevisibilidade e as tragédias que daqui decorriam, levaram ao alagamento do sistema hidráulico de irrigação e drenagem da Mesopotâmia que teve que conseguir controlar as inundações e armazenar água, na forma de barragens e reservatórios[3].
Organização Social Começa a Surgir
Os nomos egípcios, começaram a organizar os
seus campos procedendo a obras de construção de obras de irrigação, ainda
rudimentares para regular as chegadas das águas do Nilo aos campos. As
primeiras obras foram simples fossos cavados nas margens do Nilo, onde
barragens especiais regulavam o caudal. Só mais tarde aprenderam a
construir canais que drenam as águas e regam, alternadamente, os campos
rodeados de barragens.[4]. Era ao Vizir, que cabia a
gestão das águas do Nilo e dos seus trabalhos.
Constatamos a importância das obras de
irrigação durante o desmembramento do Império: ”O desmembramento do país repercutiu-se gravemente na irrigação em
muitos pontos: as obras foram abandonadas e as águas estagnaram, formando
pântanos. Conflitos armados surgidos entre os nomes, a maior parte dos quais
por causa das águas. Os nomarcas atacavam frequentemente as regiões vizinhas
cuja população procurava refúgio nos campos”[5]
Como vimos anteriormente, a comunidade de
vizinhança, sumério-acadiana, surgiu, quando a agricultura irrigada se
desenvolveu: a gestão económica da Baixa-Mesopotâmia dependia da distribuição
regular das águas. Daqui podemos perceber, que era mais importante o controlo das
águas, que das terras, o que explica que os lugals
não tenham de imediato retirado a propriedade fundiária (das terras) aos sacerdotes dos
templos, os grandes senhores da terra.
“A
comunidade rural (…) encontrava-se encadeada sobretudo pelos direitos e os
deveres comuns à irrigação. A irrigação regular e por conseguinte, a colheita,
dependiam da manutenção das obras, canais, reservatórios e diques. Toda a
comunidade devia tomar parte nos trabalhos, o que dava a cada um dos seus
membros o direito de irrigar o seu terreno com a água dos canais e
reservatórios comunitários. A comunidade era também responsável pelos estragos
e prejuízos, que atingissem a comunidade vizinha, ou outra economia, se por sua
culpa, as águas rompiam o dique e inundavam os campos e os vérgeis. As
indemnizações eram repartidas por todos os membros da comunidade”[6]
Todos estes trabalhos: construção das obras
de irrigação; a abertura e encerramento das barragens e a limpeza dos canais
consolidavam a comunidade, pressupunham a cooperação, o trabalho em equipa,
colectivo. Nestas sociedades as obras públicas tinham de ser executadas em
curtos espaços de tempo e necessitavam da força de muitos, muitos braços.
Assim, percebemos o papel primordial da água na Baixa Mesopotâmia, que
nos permite qualificar a comunidade sumério-acadiana, como uma comunidade de águas e de terras, como o
fizeram Diakov e Kovalev. “A necessidade
de utilizar racionalmente a rede de irrigação, o estreitamento das relações
económicas entre as regiões, provocam a tendência para a unificação política do
Sumer”.[7]
No reinado de Sargão, os trabalhos de
irrigação assumiram grande envergadura: abriram um grande canal, que ligava o
Tigre e o Eufrates. Todas estas obras requeriam espaço que era retirado dos
bens comunitários, braços que muitas vezes eram obrigados a ir, para depois regressarem à sua vida quotidiana e dinheiro que era conseguido
através dos saques das batalhas mas, também e principalmente, através da cobrança
de impostos pesados.
Sob a hegemonia de Ur, a agricultura irrigada e os mesteres, continuam a
desenvolver-se. São desenvolvidos mecanismos de elevação da água para conduzir
as águas às terras mais altas, começam a utilizar novas técnicas e instrumentos
agrícolas que aumentam a produção criando cada vez mais excedentes.
Hammurabi vai desenvolver a irrigação em
larga escala. Para isso, contava com o ministro responsável pelos assuntos
económicos e administrativos do reino da Babilónia, o Sinidinam[8].
Uma das suas funções é a “preocupação
com a irrigação, que, consistia, sobretudo, em fiscalizar a conservação dos
canais e dos diques”[9].
Trabalhos deste género são referidos muitas vezes nos decretos deste soberano,
como os artigos do Código de Hammurabi sobre a água. A organização estava a
cargo de agentes especiais para o efeito (a especialização), os “escribas dos canais”. Sob a direcção de
Hammurabi, foi aberto o grande canal que ficou com o nome do criador em sua
honra.
As áreas irrigadas por estes canais eram de
mais de 2.600 ha.[11] que, também eram
utilizados para navegação. Melhoraram-se os processos de disposição da rede de
irrigação e utilizaram-se em larga escala, os mecanismos elevatórios.
Quando a Babilónia atingiu o seu apogeu
magníficas construções foram construídas e a irrigação desenvolveu-se intensamente.
Acredita-se que os famosos jardins da Babilónia foram os primeiros no mundo a
serem irrigados por aspersão. A principal diferença entre os canais construídos
pelos babilónios em relação aos egípcios é que os babilónios utilizaram tijolos
de argila, enquanto os egípcios utilizavam pedras[12]
A Água no Código de Hammurabi
Leis de Hammurabi |
A Agricultura Irrigada
A agricultura irrigada teve forte influência no desenvolvimento das civilizações, mas não foi o único fator que as influenciou. Apesar disto, admite-se que a irrigação quase sempre esteve relacionada com o desenvolvimento económico das regiões e foi, por consequência, motor de desenvolvimento cultural, artístico, político.
A agricultura irrigada teve forte influência no desenvolvimento das civilizações, mas não foi o único fator que as influenciou. Apesar disto, admite-se que a irrigação quase sempre esteve relacionada com o desenvolvimento económico das regiões e foi, por consequência, motor de desenvolvimento cultural, artístico, político.
É importante referir que as sociedades que
praticam uma agricultura de irrigação, precisam de defender as suas estruturas
e equipamentos, e este também é um motivo importante para as fortificações e
defesas criadas neste período. Após a cooperação comunitária, necessária à
apropriação e manipulação dos cursos de água, segue-se o momento de proteger o
trabalho empreendido.
[1]
Diakov. V & Kovalev, S.
História da Antiguidade Oriental. Porto. Ed. Arcádia Limitada
[2]
Diakov. V & Kovalev, S.
História da Antiguidade Oriental. Porto. Ed. Arcádia Limitada
[3]
Adams, R. Mc. (1981) Heartland of Cities:
Surveys of Ancient Settlement and Land Use on the Centre Floodplain of the
Euphrates. London Chicago University Press Ltd.
[4] Wittfogel K. A. (1967) Oriental Despotism:
A Comparative Study of Total Power. Yale. Yale University Press
[5]
Diakov. V & Kovalev, S.
História da Antiguidade Oriental. Porto. Ed. Arcádia Limitada
[6]
Diakov. V & Kovalev, S.
História da Antiguidade Oriental. Porto. Ed. Arcádia Limitada
[7]
Idem
[8]
Adams, R. Mc. (1981) Heartland of Cities:
Surveys of Ancient Settlement and Land Use on the Centre Floodplain of the
Euphrates. London Chicago University Press Ltd.
[9] Idem.
[11] Adams, R. Mc. (1981) Heartland of Cities: Surveys of
Ancient Settlement and Land Use on the Centre Floodplain of the Euphrates. London Chicago University Press Ltd.
[12]
Idem
[14]
Parcerisa, J.P. (2003) As
Origens da Civilização Mesopotâmica. In Grande História Universal, As Grandes
Civilizações II (521-532) Alfragide Ed. Ediclube.
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